segunda-feira, 9 de março de 2015

Therma Romae e a arte das termas romanas









Therma Romae é um mangá ficcional, mas que possui muitos detalhes históricos interessantes, não só dos antigos banhos públicos romanos, como também sobre Roma e alguns de seus personagens históricos, como o Imperador Adriano. É um mangá (quadrinho japonês) para adultos, não porque trate de sexo, drogas ou tenha conteúdo violento, mas porque para os romanos a nudez e a sexualidade não era um tabu e muitas das esculturas e cultos romanos para a nossa civilização ocidental atual poderiam ser considerados, no entanto, obscenos.

A história em si é sobre um modesto arquiteto chamado Lucius Modestus, que herdou a profissão da família.  Lucius trabalha projetando termas e é casado, no entanto, logo no começo da história, perde o emprego por seus projetos serem muito antiquados para a época. Um de seus melhores amigos também lhe auxilia algumas vezes, já que trabalha em uma área correlata, como escultor. A parte em que a história fica hilária, no entanto, é quando Lucius entra em um banho público para relaxar e é sugado por um buraco no fundo da terma, indo parar de forma inexplicável no Japão atual. Apesar, dessa parte do mangá lembrar um pouco dos filmes surrealistas de Bruñel e Dalí, pois não há nenhuma explicação lógica para o ocorrido, em nenhum momento o leitor que já está acostumado a ler quadrinhos ou livros de fantasia se sentirá incomodado, pois a proposta do mangá não é a de ser uma obra não-ficcional e histórica e sim uma comédia adulta, que usa elementos históricos.

Mia Yamazaki, a autora, consegue mostrar com maestria o deslumbramento do personagem da Roma antiga no Japão atual e usa as visitas de Lucius ao Japão para mostrar as diferenças e semelhanças culturais entre 2 mundos diversos. Tantos os japoneses, quanto os antigos romanos dão grande importância às termas, para ambos esse era uma espaço de relaxamento, lazer e até mesmo socialização. Várias pequenas fotos da autora ilustram como são as termas romanas e as japonesas, e dá exemplos também de outros locais do mundo, como os banhos turcos.

                                          Terma Romana na cidade de Bath, Inglaterra

A grande maravilha da história é que quando você começa a ler o mangá, percebe que boa parte dos acontecimentos, cenários e personagens são reais e históricos, pois a mangaka (nome que é dado ao autor de quadrinhos japoneses) é casada com um italiano na vida real (e chegou a viver 11 anos por lá) e já chegou a ser repórter de termas naturais, demonstrando bastante conhecimento e paixão pelo assunto. A medida que a história vai sendo contada, ela nos proporciona dados sobre como era a vida em Roma e até sobre os instrumentos usados pelos escravos romanos para depilarem ou esfoliarem seus senhores nas termas romanas.

  Estrígil- instrumento usado pelos romanos para tirar a sujeira e impurezas do corpo.

Geralmente entre um capítulo e o outro a autora costuma também fazer uma pausa no mangá para fazer relatos de suas visitas em lugares ligados a banhos públicos ou privados, termas, instâncias termais e spas que foram dados e experiências que ela coletou para tornar a história mais plausível e as experiências mais realistas.

O mangá chegou a fazer bastante sucesso no mundo, principalmente no Japão, onde chegou a vender mais de 8 milhões de cópias. No Japão ganhou, inclusive alguns prêmios dentro do universo dos mangás como o Taishô 2014 e o 14º Prêmio Tezuka (fundado pelo famoso mangaka Osamu Tezuka). E aqui no Brasil ele passou a ser vendido pela editora JBC em 2013 e teve 6 volumes, que ainda podem ser encontrados em algumas livrarias especializadas no universo geek.

Mas para quem não quer se aventurar pelo universo dos quadrinhos japoneses, há também uma segunda opção, que é assistir o live action I e II, que tiveram sua estréia respectivamente em 2012 e 2014. Abaixo você poderá assistir o trailer dos filmes:



        Therma Romae I (live action 2012)


        Therma Romae II (live action 2014)

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Greta Garbo e feminismo no século passado



Greta Lovisa Gustafsson, mais conhecida como Greta Garbo veio para os EUA em 1925, para trabalhar em hollywood a convite de Louis B.Mayer, o poderoso magnata do estúdio MGM. Junto com ela veio seu amigo finlandês Mauritz Stiller, que foi o primeiro a dirigir um filme estrelado por Greta e também o principal motivo da atriz ter sido convidada por Mayer para fazer filmes na América. Mas, inicialmente a jovem sueca (Greta estava então com 19 anos) não se encaixava nos padrões estéticos de hollywood e teve que ser “remodelada” para se adequar a eles. Garbo perdeu peso, fez reparos nos dentes e alisou o cabelo para finalmente poder interpretar o seu primeiro papel em um filme americano em 1926 ,chamado “Os proscritos”.
De todas as coisas que li sobre a Greta Garbo, boas e ruins, me fez construir em minha mente não um personagem, mas um ser humano, com erros e acertos, sem maquineísmos, uma pessoa como qualquer outra. De personalidade tímida e retraída, que odiava os holofotes, e que ao mesmo tempo  teve contato com personalidades fortes e  ilustres como Wilson Churchill. Foi admirada e procurada por outras figuras famosas como Jacqueline Kennedy,
Como toda mente humana, sua personalidade se contradizia, pois por mais que odiasse as multidões e os paparazzis, escolheu como profissão ser atriz, e fazer parte de um dos maiores estúdios de filme da época. Endossou fofocas de todos os tipos, com homens e mulheres, e ao mesmo tempo que afastava as pessoas, parecia que seu mistério produzia um magnetismo nos mesmos ,que se viam atraídos por um olhar melancólico e sincero recato, que talvez nunca tenha sido a intenção de Garbo.
                Bem longe de fazer um relato psicológico da grande atriz Greta Garbo, minha intenção é falar no que esta personalidade teve de revolucionária na década de 20 até a sua morte, o que trouxe para nós nos dias de hoje que nos causa tanta admiração, seja pela sua coragem em viver a vida que desejava, seja por tomar atitudes que na época eram vistas com preconceito.
                Podemos dizer que Greta Garbo causou muita polêmica, principalmente no período que ainda estava em evidência na mídia, tanto pelas suas supostas amizades e relacionamentos com homossexuais da época(como Mercedes de Acosta, da qual trocou cartas durante muitos anos), tanto quanto pelos seus supostos casos . Apesar de nunca ter dado uma entrevista em que assumisse nada (durante sua vida toda concedeu apenas 14 entrevistas) e de deixar guardado a sete chaves sua vida pessoal,  muitas especulações foram feitas sobre sua sexualidade. Acreditava-se que fosse bissexual e que em diferentes períodos da vida tenha se relacionado ora com homes, ora com mulheres.
Algumas de suas ações poderiam projetá-la também como uam figura importante para o feminismo. Já na primeira metade do século XX  questionou as noções tradicionais de gênero, ao fazer uso de calças, que na época era considerado pouco feminino. De fato a calça só passou a ser usada pelas mulheres a partir da 1º Guerra Mundial, pela necessidade das mulheres de trabalharem, já que seus maridos e pais se encontravam na guerra. Essa peça de roupa era vista muito mais como uma necessidade do tempo do que realmente como uma roupa feminina. No entanto, com a 2º Guerra Mundial  e também com o uso constante por estrelas do cinema como Marlene Dietrich e Katharine Hepburn, e pela estilista Coco Channel, as calças femininas passaram a ser largamente difundidas e mais modelos criados.
Outra prova de seu questionamento dos papéis que eram impostos à mulher na sociedade de então, foi o desejo constante por fazer papéis masculinos no cinema, como o personagem Dorian Gray, magistralmente criado por Oscar Wilde e o clássico Hamlet de Shakespeare. Mas infelizmente nunca conseguiu com que a MGM aceitasse produzir um filme no qual Greta fosse descontruir toda a imagem que havia sido habilmente construída para ela: a de moça lânguida, feminina, um ícone daquilo que deveria ser mulher até meados do século passado.
Mais revolucionário, no entanto, que todas as decisões tomadas por Garbo, foi sua omissão. Ao se permitir nunca entrar em um casamento, em um período que as mulheres ainda sofriam muita opressão para serem verdadeiras mantenedoras do lar e por desempenharem seus papéis como “bibelôs da casa”, Greta quebra um “paradigma” sexista de seu tempo. Mesmo tendo se relacionado com diversas pessoas ao longo da vida, Garbo nunca se casou, sendo que propostas não faltaram (como a do milionário grego Aristóteles Onassis). Sabendo que sua timidez, solidão, melancolia e possíveis momentos de depressão não se conjugariam bem com o que poderia se esperar dela em um casamento, preferiu que seus relacionamentos interpessoais nunca chegassem a ser um compromisso timbrado em papel.
Em nenhum momento pretendo dizer, no entanto, que a coragem dessa mulher era do tipo pensado, pelo contrário, já que pela sua biografia percebemos que viveu reclusa muito tempo em seu apartamento em Nova York com medo de ser reconhecida na rua e virar notícia de tablóide. Mas como havia dito, é uma personalidade contraditória, e ao mesmo tempo que havia aspectos de covardia em si, havia coragem em outros. Acredita-se que tenha inclusive feito 2 abortos quando ainda estava nos estúdios MGM e pagos por este, em um período em que os métodos contraceptivos ainda eram muito primitivos e ainda não existia a pílula (criada na década de 60). Podemos imaginar como deveria ser difícil para uma mulher se submeter a tal procedimento em um período em que o aborto ainda era ilegal nos EUA (só foi legalizado em 1973) e que não existia todo o aparato atual da medicina para tornar o procedimento rápido e seguro.
 Finalizo esse texto concluindo que o feminismo é muito mais do que uma ideia que se contrapõe ao patriarcalismo, ao sexismo e a misoginia. O feminismo ele surge de pessoas como Greta Garbo, que através de suas escolhas de vida, contrariaram completamente os papéis que a sociedade tentou lhes atribuir. Ele surge assim como uma forma de ver e viver a vida que não se prende a padrões predeterminados do que é ser homem ou do que é ser mulher. Ele tem em vista que cada um deve e pode desempenhar o papel que quiser em sua própria vida. E nesse sentido Greta Lovisa Gustafsson soube fazer isso muito bem.

P.S.: Agora esse artigo estará disponível na revista Obvious: http://obviousmag.org/escritos_desafinados/2015/02/greta-garbo-e-o-feminismo-no-seculo-xx.html
E quem quiser poderá acompanhar outros artigos meus através da Obvious: http://obviousmag.org/escritos_desafinados/autor/

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Solidão X Socialização


    Uma das ideias que mais marcou a minha vida até hoje era que a de que o lar era o lugar onde está a(s) pessoa(s) que você ama. Então, sempre tive comigo que não importa onde eu estivesse, o mais importante seria quem estaria comigo percorrendo esse caminho. Não foram poucas vezes, no entanto na minha vida que tive vontade de fugir de tudo, de fugir de mim mesma e de todos e ir para um lugar que eu não conhecesse ninguém, onde fosse uma completa estranha. Mas, junto com esse pensamento, também me vinha na cabeça as pessoas que eu deixaria para trás. E outra pensamento que surgia é que eu nunca poderia fugir de mim mesma, não importando para onde eu fosse, a única pessoa que estaria ali presente a vida toda seria eu mesma. Já as outras pessoas, algumas nós escolhemos estar perto e outras foram obra do destino/acaso, como as pessoas da nossa família. O que importa é que não conseguimos desfrutar o mundo e ser felizes sem o outro. É através da alteridade que nos compreendemos, que fazemos sentido e o mundo também. É através do outro que nos percebemos com nossas falhas e acertos, com nossos defeitos e qualidades. Só pelo contato, a convivência com o próximo é que conseguimos compartilhar as nossas experiências, sentimentos, visão de mundo, superstições e conhecimento. Até o conhecimento mesmo por si só não faz sentido, se não é compartilhado com alguém, se não é dividido e saboreado com o outro. Sem outro olhar, estamos fadados a estreiteza de visão, a enxergar o mundo em uma cor só, a viver dentro da caverna de Platão. Só, apenas como um indivíduo, acrescentamos algo a sociedade, mas esta está sempre também nos modificando, pois a corrente das massas, vai inevitavelmente carregando os indivíduos nela.
    Como indivíduos temos ideias geniais, impulsionadas pela massa pensante e disforme da sociedade. Estamos sempre criando em um movimento de simbiose que vai do indivíduo pra sociedade e vice-versa. Não creio que existam ingênuos que acreditem que possam viver sem outros indivíduos, sem outros serem humanos que lhes tragam algum tipo de completude ou que lhes possa produzir um sentimento de alegria genuíno, causado pelo simples fato que nem tudo podemos fazer sozinhos, e que sempre vamos precisar do outro. Talvez daí tenha surgido o sentimento de humildade em nós, como nos apercebemos eternamente dependentes de outros seres vivos para continuar vivendo, da caridade de quem nos detesta, como diria Cazuza. Não só quando crianças ou velhos, mas ao longo de nossas vidas frágeis, necessitamos do outro, não como uma muleta, mas como um verdadeiro indivíduo co-depende de outro. Não somos nada sem o outro e outro não é nada sem nós, e assim vivemos todos na interdependência do próximo.
    Mas onde eu quero chegar com toda essa volta, é que por mais que em diversos momentos da minha vida a solidão me acometa e eu acabe sentindo alegria por ela me visitar, eu sei que no fundo não somos indivíduos completos sem os outros e não crescemos e nos tornamos pessoas vividas e com diversas experiências de vida sem esse contato. Somos seres sociais, independente do quão solitários possamos ser ou nos sentir em alguns momentos. E esses momentos de solidão são verdadeiros tesouros para algumas vezes refletirmos quem somos e quem queremos ser, assim como também para simplesmente curtir a nossa própria presença.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Então queres ser um escritor?

então queres ser um escritor?

(Tradução: Manuel A. Domingos)
se não sai de ti a explodir
apesar de tudo,
não o faças.
a menos que saia sem perguntar do teu
coração, da tua cabeça, da tua boca
das tuas entranhas,
não o faças.
se tens que estar horas sentado
a olhar para um ecrã de computador
ou curvado sobre a tua
máquina de escrever
procurando as palavras,
não o faças.
se o fazes por dinheiro ou
fama,
não o faças.
se o fazes para teres
mulheres na tua cama,
não o faças.
se tens que te sentar e
reescrever uma e outra vez,
não o faças.
se dá trabalho só pensar em fazê-lo,
não o faças.
se tentas escrever como outros escreveram,
não o faças.
se tens que esperar para que saia de ti
a gritar,
então espera pacientemente.
se nunca sair de ti a gritar,
faz outra coisa.
se tens que o ler primeiro à tua mulher
ou namorada ou namorado
ou pais ou a quem quer que seja,
não estás preparado.
não sejas como muitos escritores,
não sejas como milhares de
pessoas que se consideram escritores,
não sejas chato nem aborrecido e
pedante, não te consumas com auto-
— devoção.
as bibliotecas de todo o mundo têm
bocejado até
adormecer
com os da tua espécie.
não sejas mais um.
não o faças.
a menos que saia da
tua alma como um míssil,
a menos que o estar parado
te leve à loucura ou
ao suicídio ou homicídio,
não o faças.
a menos que o sol dentro de ti
te queime as tripas,
não o faças.
quando chegar mesmo a altura,
e se foste escolhido,
vai acontecer
por si só e continuará a acontecer
até que tu morras ou morra em ti.
não há outra alternativa.
e nunca houve.
(Charles Bukowski)     






 Escrever é algo extremamente gostoso, que provavelmente só entende quem é viciado na escrita. Já fui viciada na escrita e um das coisas mais legais é quando escrevia justamente sobre esse vício. Agora estou enferrujada e faz uns bons anos que não me dedico a esse ofício mais, mas na época não importava sobre o que eu escrevesse ou quem leria ou não, era apenas algo gostoso de se fazer para passar o tempo e deixar as ideias impressas em algum lugar. Ás vezes batia um medo das ideias nunca mais voltarem a cabeça de novo e que algo importante pudesse ficar pra sempre perdido em alguma gaveta da memória. E ai imagina só, nunca sairia mais aquele livro impressionante que um dia você pensou em escrever ou pior, poderia esquecer um dia importante qualquer, qualquer pra você hoje, mas que naquele dia parecia um dos mais importantes da sua vida. Como saber, se você não lembra mais né? Então eu escrevia em um diário, porque queria lembrar das páginas da minha vida, queria poder voltar pra ver tudo que havia feito que tinha dado um peso grande. Queria poder analisar mais tarde e pensar: "não acredito que fiz isso" ou "como eu era foda naquela época" ou "que besta que eu fui". Seria algo assim bem cheia de julgamentos do seu "eu" de hoje, para o seu "eu" passado. Quem nunca teve um diário não sabe como é. Nem era preciso escrever todo dia, só os acontecimento dignos de nota mesmo. De resto poderiam ser bobagens, algo como poemas, frases de livros, frases de filmes, não importava, o que importava era reter aquelas ideias incríveis em algum lugar. 
   Faz muitos anos desde que folheie um desses diários antigos, quem sabe um dia desses não pego um ano qualquer e começo a ler e vejo se esqueci pra trás alguma parte de mim importante que se perdeu ou algum sonho grandioso esquecido. Acho que seria o máximo, ou do tédio ou da descoberta.


Quando nada faz sentido ou quando tudo faz sentido


Esperemos

Há outros dias que não têm chegado ainda,
que estão fazendo-se
como o pão ou as cadeiras ou o produto
das farmácias ou das oficinas
- há fábricas de dias que virão -
existem artesãos da alma
que levantam e pesam e preparam
certos dias amargos ou preciosos
que de repente chegam à porta
para premiar-nos
com uma laranja
ou assassinar-nos de imediato.
(Pablo Neruda)

    Acho que na verdade essa postagem deveria se chamar "Decepções" já que descreve bem o momento. Apesar disso, nunca me achei uma pessoa que se decepcionasse fácil com as coisas e as pessoas, porque cresci com minha mãe se lamentando o tanto que se decepcionava com as pessoas e na verdade comecei a analisar isso desde cedo e via que o grande problema era esperar que as coisas funcionassem como ela previa. Descobri que as coisas e as pessoas, o mundo num geral não funciona de acordo com o nosso roteiro que criamos em nossa cabeça. Na verdade a vida não tem roteiro, uma grande surpresa! A vida nos leva por caminhos que não esperamos e não imaginamos e quando olhamos para trás, já não conseguimos mais nem nos ver como as pessoas que já fomos um dia. Todo dia somos uma nova pessoa e não sentimos nem um pouco essa perda, mas quando resolvemos fazer uma análise de nossos sonhos no passado, do que imaginávamos que seria a nossa vida hoje, é que percebemos como os rumos que esperávamos tomar em algum momento se desviou em nosso percurso normal pela vida. Ás vezes ficamos tristes por isso, pois lembramos das nossas perdas, sentimos falta daqueles que ficaram pra trás e algumas vezes nos sentimos orgulhosos por chegar onde chegamos. Mas na verdade, nada disso importa, pois tudo é passageiro na vida e não importa o quanto tentemos permanecer os mesmos ou guardar pessoas conosco, tudo sempre passa. O budismo me ensinou isso, mas foi algo que nunca consegui aprender, a me desapegar, a aceitar a inevitabilidade irracional da vida, nunca consegui na prática, só na intenção. E nesse caso a intenção não vale de nada, ela fica no ar, como um projeto grandioso mental, que nunca chegou a ir para o papel. É aquele plano incrível que você tem de enriquecer, mas que nunca tentou por em prática. Eu não consigo, essa tristeza que me causa o não aceitar a mutabilidade de tudo, é o que me faz também sentir as coisas com muito mais intensidade, buscar sempre mais alguma coisa do mundo, tentar extrair verdades maiores da realidade que vivo, querer voltar nos lugares que amei, querer estar sempre com as pessoas que amo. É essa profusão de sentimentos ambíguos, amar e odiar a vida ao mesmo tempo; a solidão de estar junto; sentir uma felicidade triste; acreditar e não acreditar em Deus; tudo isso é o que me leva a esse desassossego tão incômodo, mas tão essencial para continuar vivendo.
   Mesmo tendo saído do meu roteiro original para filosofar um pouco, volto para o tema original que era "decepções". Quando penso em "decepção" , acho que me vem a cabeça a minha própria pessoa, pois acredito que "se decepcionar" é algo muito pessoal, que reside muito mais em si mesmo do que nos outros. "Se decepcionar", não é algo proporcionado pelo outro, é algo proporcionado por nós mesmos ao criar ideias de como as pessoas deveriam responder a certas situações ou deveriam agir com relação a você. Como dizia antes, o comportamento humano não é algo que possa ser previsto, simplesmente porque você acreditava que determinada pessoa agiria de tal forma em determinada situação ou porque o certo era agir de certa maneira. Minha maneira negativa de ver o ser humano (inlcuindo a mim mesma ai), que eu acredito que seja em parte realista, faz com que eu entenda que é natural para o ser humano ser em alguns momentos egoísta, ganancioso, perverso, cínico, mentiroso, falso, preconceituoso, agressivo, assim como pode ser surpreendentemente tolerante, solidário, amigo, verdadeiro, prestativo, dentre características mais. Mas dificilmente alguém poderá prever em que situações responderemos com uma dessas características. Apesar dos behavioristas (uma linha da psicologia que acreditava poder prever o comportamento humano através de experimentos em laboratório) acreditarem nisso, é fato que qualquer comportamento na vida real, sem ser condicionado de forma intencional para se chegar a um determinado resultado, não poderá ser previsto. Os tipos de personalidades humanas são tão diversos, assim como os momentos que cada pessoa está passando (seu estado emocional e físico), que não seria possível, por mais que realmente seja o que desejássemos, prever as respostas das pessoas a um determinado acontecimento. Logo, "se decepcionar", é simplesmente não entendermos que não importa quantas expectativas coloquemos no outro, ele nunca vai preenchê-las e caso esperemos o contrário, sempre nos frustraremos. E não preciso nem falar das frustrações com a própria vida, pois a natureza e o acaso são ainda mais incontroláveis e imprevisíveis.
   Fecho a minha postagem fazendo uma referência ao título de hoje: quando nada faz sentido, temos que buscar algo que dê sentido a tudo, porque só assim conseguimos responder a outra questão que é "o que estamos fazendo aqui?".

 Estou lendo o livro da Mónica Ojeda, chamado Madíbula. É um livro incrível no sentido de que, mesmo eu já tendo muitas coisas que me arrepi...